domingo, 23 de julho de 2017

Do virtual ao real

Definitivamente a internet mudou o conceito de contato, amizade, namoro e aquisição de conhecimento, além de também ter mexido com o conceito de tempo. As pessoas com menos de 30 ou 35 anos podem ter uma vaga lembrança de como eram suas vidas antes da internet, mas certamente as que são um pouco mais velhas que isso conheceram situações e sentimentos que a geração atual sequer pode imaginar.
Escrever uma carta era algo solene, exigia um ritual. Era preciso comprar envelope, selos, sentar-se à mesa ou à escrivaninha e, artesanalmente, falar sobre as novidades, sobre o estado de saúde, enviar notícias dos amigos e parentes. E depois, é claro, ir ao correio e postar a carta. Lá do outro lado, na outra cidade ou país, estava o destinatário, ansioso por notícias. Quando a carta chegava - geralmente em uma semana - as notícias ainda eram frescas. Enviar flores exigia também tempo, disposição e um carinho especial para se locomover até a floricultura, escolher o buquê e pagar a entrega, que geralmente só era possível se a outra pessoa morasse no mesmo bairro ou cidade.
É claro que as facilidades da internet são maravilhosas porque quase tudo acontece praticamente em tempo real: podemos ver as pessoas distantes, falar com elas sem gastar com telefonemas, escrever emails (as antigas cartas...), enviar documentos, pagar contas e mandar flores e presentes praticamente sem sair do lugar. Podemos conhecer museus, parques, cidades inteiras, fazer cursos, assistir a jogos, filmes e trabalhar, às vezes tudo ao mesmo tempo, bastando mudar de tela.

TRANSPORTE PARA O MUNDO REAL

A internet é algo mágico, tão mágico que para muitos é possível até sentir o estado de ânimo do interlocutor. Ela é quase a máquina de teletransporte! Mas quem passa horas, dias, semanas a fio ao computador, acaba esquecendo que no mundo real estão os cheiros, a brisa, o calor do sol, o contato da pele do amigo no abraço longo, o perfume das flores escolhidas com carinho, o verde vivo das árvores, a vibração da torcida no estádio e o som ao vivo da banda predileta.
Veja bem quantas horas por semana você economiza não precisando ir ao banco, por exemplo. Mas o que você faz com o tempo que gastaria se locomovendo ou na fila? Fica em joguinhos de internet ou em sites de relacionamento? Continua navegando sem muito rumo ou propósito?
É evidente que a internet é muito sedutora, milhares de profissionais se especializam todos os dias para capturar a atenção dos navegantes e, por ser sedutora, inovadora e criativa, fica-se sempre à espera de mais: mais imagens, mais notícias, mais conversa, mais fotos, e não necessariamente isso tudo tem um propósito definido. É a informação pela informação, não importando se vai ou não fazer diferença em nossas vidas, se vai acrescentar mais conhecimento que sabedoria, se vai nos tornar pessoas melhores ou nos preencher de bytes e nos esvaziar de emoções vividas em primeira pessoa. Por que enquanto nos divertimos com quem faz acontecer, deixamos de viver o que poderia nos fazer mais sensíveis e participativos.
Pois fica aqui a sugestão para quem não sabe ou não se lembra mais o que está perdendo quando vive a maior parte do tempo nas tramas da rede:
  • Marque um encontro real com o grupo que conheceu na internet, deixe que ouçam sua voz e permita-se rir ao vivo com aqueles com quem troca ideias virtualmente.
  • Experimente escrever uma carta e peça que alguém faça o mesmo para você. Use papel e caneta, coloque ali a sua letra (você ainda lembra da sua letra?) e suas emoções. Veja qual é a sensação de receber do correio algo que não seja uma conta para pagar ou um folheto de propaganda.
  • Faça uma visita à casa de um amigo ou parente, coloque os assuntos em dia tomando um cafezinho real com aquela pessoa que você só fala por telefone ou pela internet.
  • Vá pessoalmente (e não virtualmente) a um museu, sinta a emoção de ver ao vivo as obras de arte que você já viu na tela do computador.
  • Vá ao zoológico ou ao aquário de sua cidade conhecer o real tamanho dos animais, suas cores vibrantes, os sons que emitem e seus movimentos.
  • Faça passeios na natureza e tire suas próprias fotos ao invés de conhecer os lugares só pelas fotos que os outros tiraram. Veja as mudanças das cores do dia, da temperatura... Olhe o céu anoitecendo, curta o encanto de um pôr de sol.
  • Convide os amigos para vocês estudarem juntos ou para formar um grupo de estudos de interesse comum, ao invés de apenas comentarem pela internet sobre o que leram. Pode ser um momento agradável, de troca de conhecimento e informação, com pausa para um lanche e para relaxar, interagindo de forma mais dinâmica e corporal, e não apenas mental.
Essas são algumas das muitas coisas que você pode fazer quando abandona o mundo virtual por algumas horas no dia ou num fim de semana inteiro, para se dedicar àquela parte da vida que se comunica com calor. Além de arejar a mente, você protagoniza os fatos, está "lá" de verdade, se indignando, se emocionando e observando, além de fazer e ter história para contar.
Não resta dúvida de que a internet passou a ser fundamental no nosso dia-a-dia, afinal você está lendo esse artigo numa página virtual. Mas ela deve ser um meio, e não um fim em si mesma. A vida acontece com muito mais intensidade e possibilidades quando estamos nela de corpo presente.
Célia Lima

sábado, 22 de julho de 2017

LIGAÇÃO ESPIRITUAL

LIGAÇÃO ESPIRITUAL ENTRE AS ALMAS
A ligação espiritual entre duas almas, ou dois espíritos, sejam encarnados ou desencarnados, frequentemente é um assunto que gera muitas dúvidas, curiosidade e interesse. Para aqueles que estudam a teoria da reencarnação e a existência das “famílias espirituais” este tema não é nenhuma novidade. Quando levamos as pessoas a perceberem por si mesmas as suas vidas passadas, fica claro para a pessoa e para o terapeuta, como se dá o surgimento e o estreitamente dos laços que unem duas ou mais almas ao longo de diversas existências corpóreas.
Uma forte ligação espiritual entre duas almas vem de muitas vidas passadas em conjunto. A experiência conjunta de alegrias e tristezas, de prazer e dor, de construção e destruição, vida e morte, vai gerando nas almas sentimentos mais profundos, laços cada vez mais próximos, onde a história de um vai começando a se confundir com a história do outro. Todo esse processo vai criando uma sintonia, com simpatias e antipatias, amor e ódio, prazer e dor, desejo e repulsa, entre outros sentimentos que aos poucos vão formando laços. Esses laços podem ser mais fortes tantas quantas forem as experiências agradáveis ou dolorosas vividas pela dupla evolutiva.
Essa conexão entre as almas pode se expressar em afinidades de pensamentos, sentimentos e crenças, ou podem gerar tendências quase que opostas, onde uma complementa a outra naquilo que ambos necessitam de uma unificação ou diversificação. Toda essa conjuntura anímica pode criar laços tão fortes e significativos que se expressam vibratoriamente de várias formas. Não apenas despertando em nós uma variedade de sentimentos, por vezes confusos e contraditórios, como também uma afinidade profunda, uma sintonia que se manifesta como fenômeno paranormais, sendo o mais comum deles a telepatia.
Aqui devemos entender a telepatia em seus vários níveis. A telepatia não pode ser considerada apenas uma troca de pensamentos, ou de ideias. A telepatia é até mais comum quando ela passa a ser o veículo não apenas de pensamentos de um a outro, mas principalmente de sentimentos. Esse fenômeno ocorre muito mais em casais do que geralmente se imagina. Pode acontecer também entre pai e filho, irmão e irmã, etc.
Em nossos atendimentos terapêuticos, assim como nos casos que analisamos de pessoas que nos procuram para esclarecimentos, é possível encontrar relatos fascinantes dessa incrível sintonia entre as pessoas. Talvez a forma de sintonia mais comum seja de pessoas que pensam ou lembram da outra num momento, e no instante seguinte aquela pessoa que veio à nossa mente nos telefona. A pessoa atende o telefone e diz: “estava pensando em você agora”. Ou quando estamos na rua, caminhando, e subitamente lembramos de alguém. Alguns momentos depois encontramos a pessoa caminhando na rua e a cumprimentamos. Este fenômeno nada tem de raro, e acontece mais do que a maioria acredita. Trata-se de uma forma freqüente de telepatia entre pessoas, e se torna ainda mais constante com pessoas que já possuem uma sintonia natural, principalmente que vem de outras vidas.
Ocorre também de estarmos em nosso aposento, descansando, ou realizando alguma atividade, e de repente surgir um sentimento de tristeza, depressão, vazio, desânimo, etc. Pode aparecer também sensações físicas, como calor, frio, desconforto, formigamento, taquicardia, aperto no peito, etc. O caráter repentino de um sentimento que brota sem explicação pode ter várias explicações, como sentimentos nossos que emergiram por alguma razão desconhecida, ou a intervenção de espíritos, ou ainda as energias do nosso ambiente imediato. No entanto, também pode acontecer de algum conhecido, ou pessoa de nossa estima esteja com problemas, e passamos a sentir o que ela também está sentindo. Isso pode se agravar quando a pessoa está deprimida e fica focalizando o seu pensamento em nós.
Isso acontece por duas razões: em primeiro lugar, quando duas pessoas têm uma afinidade, uma ligação forte, seja positiva ou negativa. Em segundo lugar, porque um dos dois, ou ambos, possuem uma forte capacidade magnética ou uma considerável sensibilidade. No entanto, mesmo quando não há uma forte sensibilidade psíquica ou magnética, quando dois indivíduos possuem laços kármicos de vidas passadas, parece que a energia de um está como que “aberta” a energia da outra pessoa, e assim sendo, a sintonia se estabelece juntamente com a troca de energias. Um karma de vidas passadas pode tornar nossa energia vulnerável a energia outra pessoa, e o mesmo pode não acontecer com outras pessoas com as quais não possuímos um karma de vidas passadas. É como se o karma desse livre acesso as energias de ambos, podendo um e outro partilhar dos mesmos sentimentos, pensamentos e trocar energias. Isso ocorre porque há uma forte ligação e também uma necessidade de ambos sintonizarem um com o outro,por isso ambos passam a se atrair para que possam viver experiências conjuntas, a fim de aprender e evoluir com elas.
Certa vez, uma pessoa me confidenciou algo interessante. Ela me disse que amava um homem com o qual se relacionou no passado. No entanto, eles estavam separados. Assim que pegava no sono durante a noite, ela se via saindo do corpo e podia perceber, para seu espanto, que se expandia um fio prateado a partir de seu corpo energético que se deslocava no espaço. Esse fio se estendia a grandes distâncias, até chegar ao local em que se encontrava o seu ex namorado. Era como se, no plano astral, ambos estivessem conectados por esse fio de energia, consolidando uma espécie de elo vibratório entre eles.
A ligação entre as almas também se faz presente em atendimentos terapêuticos com a terapia de vidas passadas. Um caso que ilustra bem esse fenômeno foi de um homem de meia idade que atendi. Ele era apaixonado por uma moça casada, e queria ficar com ela. Eles tinham uma forte ligação, e ela também queria que ficassem juntos, mas ainda não tinha tomado coragem suficiente para largar um casamento de vários anos. Numa das regressões, tratamos uma vida passada onde eles conviveram juntos. Ao final do tratamento dessa vida passada, resolvemos unir ambos no plano espiritual trazendo a presença dessa moça para dialogar com ele, e para que se desse o perdão e a reconciliação. Eles se perdoaram e encerramos a regressão.
Na sessão seguinte, ele me contou que conversou com essa moça, de quem ele gostava, e no momento exato em que estávamos realizando a regressão, ela se sentiu “puxada” de seu corpo físico, teve várias sensações e emoções, sentiu energias espirituais positivas fluindo pelo seu corpo e teve uma visão desse homem, o paciente. Tentei confirmar com ele o horário que ela havia tido essas sensações e visões, e ele disse que ela atestou que os horários batiam. Fizemos o atendimento às 19:30 mais ou menos e no mesmo dia, no mesmo horário, ela conseguiu sentir tudo o que nós fizemos e um contato espiritual com ele. Perguntei se ele havia contado a ela sobre o dia e horário da terapia e ele afirmou que ela sequer sabia que ele estava fazendo uma terapia de regressão. Esse fato, assim como vários outros semelhantes que já presenciamos na terapia de vidas passadas, provam que existe uma ligação mais profunda entre duas pessoas e que transcende o tempo e o espaço.
Há alguns casos de pessoas que já conversaram comigo sobre isso que dizem coisas do tipo: “É incrível como eu sinto quando ele (ou ela) está bem ou mal” ou “Posso sentir quando ele está precisando de ajuda” ou ainda: “Sinto quando ele está em depressão, pois eu acabo captando o mesmo sentimento que emana dele e chega até mim”. Relatos como esses são bastante comuns entre pessoas que se amam, que tem uma forte ligação espiritual, ou mesmo que tem algum tipo de karma positivo ou negativo de vidas passadas.
Certa vez nos chegou um relato em que essa ligação espiritual chegou a um certo extremo. Uma moça contou que, quando ela e o homem que ela ama estão distantes, ela não apenas sente o homem que ama, como algumas vezes sente seu toque fisicamente. Há um contato de sentimentos, mas também há um contato que chega a se expressar fisicamente. Esse caso, obviamente, precisaria ser analisado com mais calma e profundidade, no entanto, pode se tratar de uma médium de ectoplasmia onde ela inconscientemente doa a substância ectoplasmática que permite a materialização do toque de outra pessoa sobre ela.
Casos parecidos com esses demonstram que a ligação entre as almas é algo muito forte, e frequentemente rompe as barreiras físicas e temporais. A conexão entre dois espíritos é algo que se mantém em várias vidas e que não se perde com morte, ou com o distanciamento espacial.
Autor: Hugo Lapa

sexta-feira, 7 de julho de 2017

A ARTE DE CUIDAR DA SAÚDE - MARCIA LORETTI

Sou vovô.......Ser vovô é uma arte ...

Nada melhor para retornar a este blog, do que com um texto de Raquel de Queiroz, em homenagem aos meus amores Maria Valentina e Francisco.

                                                             A Arte de Ser Avó


Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses, um ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo...

Quarenta anos, quarenta e cinco... Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem as suas alegrias, as suas compensações - todos dizem isso embora você, pessoalmente, ainda não as tenha descoberto - mas acredita.

Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade. Não de amores nem de paixões: a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos cheios de problemas que hoje são os filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento a prestações, você não encontra de modo nenhum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres - não são mais aqueles que você recorda.


E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis - nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino seu que lhe é "devolvido". E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis. Aliás, desconfio muito de que netos são melhores que namorados, pois que as violências da mocidade produzem mais lágrimas do que enlevos. Se o Doutor Fausto fosse avó, trocaria calmamente dez Margaridas por um neto...

No entanto - no entanto! - nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não importa que ela, em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe do garoto. Não importa que ela, hipocritamente, ensine o menino a lhe dar beijos e a lhe chamar de "vovozinha", e lhe conte que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas, nada mais. No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante dos triângulos conjugais. A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe de comer, dá-lhe banho, veste-o. Embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.

Já a avó, não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, "não ralha nunca". Deixa lambuzar de pirulitos. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso nos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido, antes uma maravilhosa subversão da disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer roquetes, tomar café - café! -, mexer no armário da louça, fazer trem com as cadeiras da sala, destruir revistas, derramar a água do gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser - e até fingir que está discando o telefone. Riscar a parede com o lápis dizendo que foi sem querer - e ser acreditado! Fazer má-criação aos gritos e, em vez de apanhar, ir para os braços da avó, e de lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação moderna...


Sabe-se que, no reino dos céus, o cristão defunto desfruta os mais requintados prazeres da alma. Porém, esses prazeres não estarão muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o seu neto, numa manhã de sol. E olhe que aqui embaixo você ainda tem o direito de sentir orgulho, que aos bem-aventurados será defeso. Meu Deus, o olhar das outras avós, com os seus filhotes magricelas ou obesos, a morrerem de inveja do seu maravilhoso neto!

E quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz: "Vó!", seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.

E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a mãe o castiga, e ele olha para você, sabendo que se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade...

Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menininho - involuntariamente! - bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque "ninguém" se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, Vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague...

(O brasileiro perplexo, 1964.)
Rachel de Queiroz